domingo, 5 de abril de 2015

Os semeadores do Maranhão l Em qualquer lugarejo que tivesse uma família estudando Kardec, Dr. Júlio fundava um centro espírita


Em São Luís do Maranhão, existem poucas pessoas, no movimento espírita que não conhecem os nomes Júlio Luz de Carvalho (1931-1995) e Laíze Maria Souza de Carvalho (1943-2005). Ele, fundador da Sociedade de Estudos Espíritas Ismael e presidente, por sete anos, da Federação Espírita do Maranhão; ela, palestrante, evangelizadora, dirigente de trabalhos e presidente do tradicional Centro Espírita Maranhense no início da década. Ambos, lutadores pela disseminação da Doutrina Espírita no Estado.

Ele

Júlio nasceu no interior do estado, Santa Inês, em 1931, filho de comerciante e de dona de casa que apenas assinava o nome. Partiu para São Luís assim que precisou completar os estudos secundários. Foi na casa de um dos irmãos, onde passou a morar que ouviu falar de Espiritismo. Curioso, lia as obras de Kardec, que satisfaziam sua índole científica, e passou a freqüentar o Centro Espírita Maranhense, hoje o mais antigo da cidade. Em seu envolvimento com a doutrina, ganhou o respeito e a amizade tanto de figuras consolidadas como José Bezerra e Seu Pequenino, quanto dos jovens da Mocidade Espírita, a exemplo de Clóvis Ramos, referência em estudos de literatura mediúnica.

Ela

Enquanto, em São Luís, Júlio se encaminhava nas atividades do C.E Maranhense e vergava sob o peso dos tratados de Odontologia, no interior, em uma cidade às margens do rio Corda, uma garotinha de doze anos aproxima-se da irmã, cujos dezenove anos a mais lhe conferiam o estatuto de mãe, passa-lhe as mãos nos cabelos e pergunta: "Laurita, por que estás chorando?"A irmã, que realmente chorava, não tem pudores para responder: "Porque nada temos para comer hoje". A garotinha, certa de que aquilo era um motivo estúpido para choro, vai até o colégio das freiras, onde estudava, e chama a madre: "Minha irmã diz que não tem comida em casa. A senhora pode conseguir alguma coisa para nós?" A religiosa não perde tempo e passa à menina uma cesta com alguns gêneros alimentícios. Antes de agradecer, a garotinha olha decidida para a benfeitora: "Como pagamento, venho dar aulas para os colegas que tiverem dificuldades". Ali começava o trabalho de Laíze, futura senhora Júlio de Carvalho.

O Liceu Maranhense era o melhor colégio de São Luís. As provas orais eram as mais temidas. Pois a " menina-professora" dos colegas no colégio das freiras, veio à capital, passou pelo exame de admissão e ficou na respeitada escola. Certa vez, a estudante do Liceu procurava algo para ler e se distrair. Católica fervorosíssima, encontrou um livro sem capa, cujo título chamava-lhe a atenção: Paulo e Estêvão. O livro revirou-lhe as crenças e a moça, por conta do volume sem capa, tornara-se espírita. "Se o livro estivesse inteiro", ela dizia, tempos depois, "e eu visse que tinha espírito no meio da história, nem encostava". O mundo espiritual tem suas manhas.

Os anos corriam e a professora Laíze, famosa por sua oratória, era convidada a fazer palestras em vários centros espíritas. Em um evento, impressionou-se com um dos confrades, que por ela também se deixara impressionar. Júlio e Laíze não chegaram a namorar dois meses. Casados, tiveram dois filhos, Berenice e Fábio, adotaram mais quatro, Ana Paula, Anderson, Roberto e Anatalia e sempre recebiam pessoas em dificuldade.

A força da união

O casal dedicava-se ao trabalho de difundir e consolidar a Doutrina Espírita em terras maranhenses. Após ter fundado a Mocidade e a Sociedade de Estudos Espíritas Ismael nos anos 70, Dr. Júlio assumiu, em 1986, a presidência da Federação Espírita do Maranhão. Batalhou intensamente para a unificação dos centros espíritas da capital e onde soubesse de uma ou duas famílias que estudassem Kardec em qualquer lugarejo, lá ele ia fundar um centro. Assim foi em Pinheiro, em Bacabal; também em Santa Inês, Buriti Bravo, Carolina, Caxias, Coelho Neto...Nem sempre era fácil. Muitas vezes, a Igreja impunha resistência. Em outras, os espíritas eram o problema. Numa cidade que visitou havia uma cruz plantada no meio do centro espírita. Dizia-se que Pedro, o Apóstolo, ali pregava e consolava os "fiéis", cuja afluência no local era notável. Dr. Júlio conversou com a entidade que se manifestava por um médium em transe: "Por que você engana essa gente?" O espírito, antes zombeteiro que mau, respondeu: "Não estou enganando ninguém. Apareci aqui e disse me chamar ‘Pedro’. Espalharam então que era o santo e eu fui gostando..."



Dor e consolo

Após sete anos de trabalho, Dr. Júlio entregou a presidência da Femar. Em 1993, no dia 21 de março, queixou-se de dores "no coração". A esposa o levou ao hospital, mais por precaução que por preocupação. Ele subiu tranqüilamente as escadas que levavam ao quarto onde seria atendido, viu em uma das camas com que cruzou no caminho uma amiga, ministrou-lhe um passe. Quando chegou ao quarto, deitou-se, segurou a mão da companheira e, numa rápida ausência da médica, disse: "Laíze, sê forte porque vou desencarnar." E, para surpresa de todos, voltou à pátria espiritual. No velório, o rosto que lhe expressara as feições durante a vida física mostrava um leve sorriso, que no entanto por todos foi notado. "Foi o único homem que conheci que riu da morte", disse o amigo e companheiro de causa espírita Albino Travincas.

Laíze deu prosseguimento à educação e sustento dos filhos sozinha e, em 2005, foi sua vez de partir para o Mundo Maior. Fábio de Carvalho, filho do casal, conta que , quando passara por um período de dúvidas, logo após o desencarne do pai, recebera belíssima orientação mediúnica ditada por ele, que dizia: "E tu, meu filho, sabe que nem o tempo, nem o espaço, muito menos a morte, podem separar as almas que se amam".

Texto publicado na edição 420 (mar/abr de 2008)



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